sábado, 20 de setembro de 2008

Uma parte zine - Relembrando parte 1.

Fui olhar meus backups e encontrei as pastas com os últimos números do meu zine (Uma parte), nem me atrevi a ler algo para não em deparar com algo que possa achar engraçado ler hoje e que tirasse minha empolgação de republicar isso. Fiz um CTRL + C & CTRL + V e vou colocando aos poucos por aqui. A Mila já havia me sugerido publicar as coisas que escrevi por aí. As que contribui em sites foram perdidas em um HD, mas os mais antigos estão aqui.

Dedico àqueles que acompanhavam este meu zine e também àqueles que conheci através dele.

Antes de ler, considere o contexto da época, empolgação juvenil, entre outras coisas. :)

Para começar RUSSIAN SCHOOL OF BALLET.

Entrevista com RUSSIAN SCHOOL OF BALLET, publicada no UMA PARTE ZINE #4 - 2001.
Perguntas por Mozine e Allan.


Vocês estiveram tocando em alguns estados, há poucos meses atrás, conhecendo novos lugares, novas pessoas, revendo velhas amizades. Gostaria que falassem como foi, sobre o intercâmbio, os shows, etc.
Tocha – Bem, eu posso dizer que pessoalmente foi a melhor experiência que eu já tive em todos esses anos tocando em bandas. Nós ficamos viajando de carro pelo Brasil por duas semanas e tocamos cinco shows em lugares diferentes. Foi muito importante para nós perceber o quão solidárias as pessoas foram conosco em cada parada. Nós ganhamos casa e comida de muitas pessoas que víamos pela primeira vez. Todas as coisas que aconteceram me fizeram desenvolver um grande senso de comunidade punk, que as vezes fica meio confuso em minha cabeça no meio de tanta confusão que é o ‘punk’ hoje em dia. É impossível descrever aqui todas as experiências que tivemos no caminho, mas com certeza todos os shows foram muito bons e nós nos divertimos muito. E, como nós dizíamos em todo show, essa experiência é muito importante para mostrar as pessoas que as coisas podem ser feitas. Qualquer pessoa pode pegar sua banda e com alguns contatos, tempo livre e um pouco de esforço sair por aí fazendo shows. É só uma questão de um pouco de organização (nós que não somos nem um pouco peritos nesse quesito conseguimos, então qualquer um consegue).
O Resto – O Tocha disse tudo. E longa vida à estrada.

“De onde isso veio? Para quem meu dinheiro vai? Eu realmente preciso disso?” São questionamentos importantes e muito válidos, mas você não acha que a pessoa pode chegar a um ponto em que ela começa a se ver “cercada”? Até que ponto esta preocupação (estes questionamentos) podem ser adicionados ao cotidiano sem prejudicá-la, sem “cercá-la”?
WE – Ninguém nunca disse que seria fácil meu caro... Quando isso foi escrito no encarte do nosso cd, não era para expressar algo que nós gostaríamos que as pessoas fizessem. Era mais uma expressão da nossa angústia porque é assim que nós nos sentimos cada vez que eu gastamos dinheiro em algo. Certamente seria mais confortável simplesmente ignorar tudo isso e ir sair por aí gastando dinheiro no que der na telha. Mas se torna mais complicado dado o momento da nossas vidas em que nos encontramos, no qual isso já não é mais possível. E, ao contrário do que é colocado na pergunta, é muito mais fácil alguém se sentir “cercado” não por esses questionamentos, mas pelo seu inverso, a eterna imposição de sempre comprar mais e mais. É realmente angustiante quando percebemos que as pessoas ou não sabem, ou não se importam com o que estão engolindo, vestindo, consumindo desde que isso lhes seja mais cômodo, ou ainda, lhe traga um maior status social. Quantas vezes no seu dia a dia você não foi coagido a usar aqueles maravilhosos modelitos da Zapping, ou se sentiu estranho porque você não come aquele saborosíssimo chocolate importado. Você encontrou abrigo para tudo isso no hardcore? Hhmmm mas onde estão os seus DC Shoes que o deixarão muito mais estiloso, e como você ainda consegue viver se você ainda não comeu aquele outro saborosíssimo chocolate importado (dessa vez em sua versão vegan)?
Dentro da lógica capitalista, gastar dinheiro é uma certa espécie de exercício de poder. Se é imposto para você dentro da sociedade o papel de mero consumidor de produtos, eu acho que nós devíamos ao menos tentar consumir apenas as coisas de que realmente precisamos, e que realmente apoiamos.
E, de qualquer forma, se o pequeno pulha que não se importa com como as grandes corporações estão fodendo com os seres humanos iguais a ele (mas de certa forma muito melhores) continuar falando que se importa, e usando isso como um apoio para sustentar sua consciência depravada, não se preocupem, nós continuaremos usando nossa arte autodestrutiva para desbancar suas mascaras, como no caso do jacaré perseguindo o neo-hardecoreano modelito ultra-novo.

Sua empregada escuta hardcore e fala sobre revolução, e aí?
WE – Esse é outro tópico importante, as pessoas dentro do hardcore costumam precisar da ilusão de que estão participando de algo revolucionário. Entretanto nos parece que, ao menos no Brasil, hardcore não passa de diversão para nós garotos brancos de classe média. Existe uma grande ‘romantização’ da ‘revolução’, que no fim das contas a torna um simples paliativo para que você consiga dormir tranqüilo, antes que a idade de deixar tudo para trás chegue e você arrume um emprego e uma família. As pessoas ficam falando sobre uma revolução (que nunca chega) e divulgando suas idéias ‘revolucionárias’ quase que como uma imposição do seu papel de ‘hardecoreano’. Assim elas podem se sentir ativas dentro da ‘cena’ e manter seu status de roqueiros rebeldes ‘politicais’. Porém tudo isso costuma ter muito pouca relevância dentro da individualista vida cotidiana das pessoas. Por serem garotos brancos de classe média, elas apenas continuam cumprindo seu papel de garotos brancos de classe média dentro do estabilishment. E se sentindo mensageiros de uma elite cultural que tenta alertar a massa que, como zilhões de letras de hardcore costumam dizer, se recusa a “abrir os olhos”. E se você é um garoto hardecoreano branco de classe média rodeado de apenas garotos brancos hardecoreanos de classe média as vezes fica difícil superar a condição estagnada e seguir adiante, portanto consideramos importante continuar jogando um pouco de merda na cara das pessoas. Inclusive na nossa.
Aproveitaremos esse momento para jogar na roda um outro tópico importante para nossos olhos. Porque as pessoas tem tanto medo de se auto-denominar “PUNKS” em nosso meio, e apenas se referem a ele como “meio hardcore”. Com mil diabos! Somos todos punks! Desde o início, quando éramos garotos que ouvíamos punk rock hardcore tosco e/ou melódico e estávamos acabando de montar nossas primeiras bandas com nossos vizinhos. Vamos retomar as ruas e retomar o punk, porque é o que somos no final. E além de tudo, “hardcoreano” é um termo horrível.

O que você tem a dizer sobre os zines nacionais, o que você destaca, e coisas que têm se tornado massantes?
WE – Fora algumas exceções, os zines têm realmente se tornado chatos, e parecem muito mais, como eu já disse na questão anterior, ser um veículo para manter tranqüila a consciência do nosso amigo roqueiro. Porém os zines são umas das mais importantes e fortes formas de expressão da comunidade punk, e não nos sentiríamos bem repreendendo ninguém por fazer algo tão positivo. Mesmo que este acabe por muitas vezes sendo muito inocente, ele ainda é uma maneira de divulgar suas idéias de maneira não corporativa. E, é importante lembrar que muita coisa que hoje em dia não tenhamos paciência de ler, isso foi durante muito tempo muito importante para nós.
Bom, existe o sério problema de consumo também. Durante nossas andanças verificamos que muito mais garotas comprando zines em comparação com os garotos (apenas um dado estatístico, mas...). As garotas aparentemente tem essa tendência de ir mais fundo em certos momentos. E isso quando alguém consome zines. De alguma maneira alguém conseguiu criar uma teoria de “não paga para o cara que tá tentando passá os ideal dele, porque se ele qué passá os ideal ele tem que passá de graça, o cuzão”, mas esses são apenas poucos e insanos. A grande maioria dos punks de hoje simplesmente acha que sabe demais e que não tem mais nada a aprender, nem nada interessante pra ser lido. Estes, ainda que sabendo conscientemente que a “indústria” zineira punk serve como imprensa independente, coluna social, arquivista do momento musical, levantadora de questões polêmicas, entre outras funções, de toda uma contracultura, tende a, inconscientemente ignorar tudo isso e levantar o nariz para o alto.
Decididamente precisamos de zines mais grossos, mais substanciosos, mais polêmicos, mais irônicos, mais sarcásticos, com maior tiragem e maior regularidade, e sem dúvida em maior quantidade.

Quem é mais punk? um garoto feliz que comprou uma camisa do Green Day e vai dançar num show de punk rock sexta-feira a noite ou vocês?
WE – Nesse caso a questão que você propõe me parece muito mais de semântica do que de discussões sobre o que é o não punk. Os códigos que nós usamos para nos designar punks são diversos dos códigos que o garoto feliz da questão utiliza para se designar punk. Portanto não se trata de quem é mais ou menos algo, tendo em vista que estamos lidando com coisas diferentes. Só para dar um exemplo simples, se você diz que você é roqueiro, o que de certa forma nós todos somos, isso não significa que você gosta do Barão Vermelho e sai por aí cantando Bete Balanço.
E nós também vestimos as camisetas dos nossos “greendays” e dançamos nos shows de punk rock de sexta-feira à noite, se vocês querem saber. Nós somente não somos mais felizes.

Como pode um jovem gostar de ManLiftingBanner e ao mesmo tempo amar outras bandas, digamos assim, "hc fast - power violence as fuck", como por exemplo o Spazz com a letras como "DanLiftningBanner"? Você acha que existem certas pessoas/bandas com "status" de fazer o que quiserem e serem aceitas, enquanto outras façam o que fizer, serão boicotadas?
WE – É óbvio que isso existe, veja o Mozine, por exemplo, ele pode ter uma banda horrível como “Os Pedreiro” e ainda assim vender muitíssimas de suas demos graças aos seu status adquirido na cena (Direito de resposta, conforme Lei 666, Pá, Pow: Mozine: é verdade! E aguardem para 2001 o espetacular cd split OS PEDRERO/RUSSIAN SCHOOL OF BALLET, uma fusão feroz e alucinante de estilos. info: mozine@escelsa.com.br). Nós próprios temos nossos projetos para um futuro extremamente próximo. Quem saberá em quem confiar de verdade hoje em dia? Muito do “status” do punk é baseado em quanto as pessoas conhecem pessoalmente umas das outras e de suas intenções e na maneira como rumores e opiniões pessoais voam através de bytes ou do correio ou de telefonemas. Bom, isso se tratando de punk nacional. O punk lá de fora é complicado de se julgar e sinceramente... não ligamos a mínima.

O que acha do hc fast por hc fast? Tocar rápido por tocar?
WE - Bleh... Não gostamos da pergunta. Nos recusamos a responder.

O Russian School tem letras impressionantes, que me agradam muito. O que vocês acham que essas letras de vocês vão mudar no mundo ou na sociedade? Você acredita q uma pessoa de fora de cena (use a palavra que quiser, cena, circuito, cenário, movimento) hardcore, teria como entender uma musica de vocês?
WE – De certa forma, vemos as letras (e todo o resto de expressão artística que produzimos com a banda, etc) não tanto como uma maneira de mudar o mundo, mas muito mais como uma necessidade de por pra fora o que precisamos desesperadamente por pra fora. De certa forma é como poesia. E é muito como música tradicional. A música punk é música da cultura punk, assim como música flamenca é música da cultura de determinada parte da Espanha; mas isso não quer dizer que um espanhol não punk não possa gostar de música punk, só deus sabe o gosto dos espanhóis. Acreditamos que qualquer um tem o potencial de entender nossa “arte”, sendo ela “arte”.
Mas, tocando no assunto de “mudança do mundo” e punk rock, achamos que o punk não é tanto uma força revolucionária quanto um meio, uma contracultura, dentro do qual idéias revolucionárias vão encontrar terra fértil pra crescerem e irem em frente, e dessa forma gerar revolução. Com mil demônios, ninguém pode dizer que o punk nunca mudou nem vai mudar o mundo com todas essas manifestações acontecendo em todo lugar com a freqüência que estão acontecendo. Nada disso seria possível sem a fertilidade do meio contracultural que o Punk representa.

Comente sobre a política de distribuição/preços/venda/divulgação da L-Dopa. Vocês acreditam que poderiam ser um selo auto sustentável e um dia poder largar ternos e gravatas, e viver de lançar cds/zines/livros/discos?
WE – Bom... Com certeza nós pretendemos nos desvencilhar do aparato corporativo e seguir em frente vivendo da anti-arte punk. Mas o futuro, quem dirá? Queremos acreditar que poderemos mas realmente não ligamos a mínima se vamos ou não conseguir nos manter.
Quanto a política de distribuição/venda/divulgação/preços do material do coletivo L-dopa, tentamos fazer tudo o mais barato possível, e deixamos quem quiser distribuir distribuir, desde que distribua barato, ou então pelo menos pague adiantado. Quanto a distribuição de material alheio, cada caso é um caso e preferimos tratar isso pessoalmente, nosso contato vai aparecer em algum lugar nas paginas dessa entrevista, então fique atento.

O que os motiva a lançar uma banda, e acreditar no trabalho a ser lançado. Tipo, o Russian School of Ballet é uma banda nova, que nunca lançou nada e vocês se esforçaram para lançar em CD, mesmo sabendo que era um risco, que o CD poderia “encalhar”. Aproveite e fale sobre os projetos do selo e da banda.
WE – A gente preferiu lançar um cd em vez de uma “demo” pela funcionalidade. Maior qualidade, preço baixo (no longo prazo), e mais espaço pra arte. Achamos que ninguém precisa “ficar conhecido” pra lançar um disco. Se não tentássemos nunca iríamos conseguir. Então vão em frente garotos e façam vocês mesmos.
Quanto a projetos paralelos e lançamentos, a L-dopa pretende lançar num futuro muito próximo as gravações póstumas do Libertinagem e do WhiteChristianDisaster, e tem segredos que são inimagináveis, mas só o tempo dirá se tudo vai dar certo; Nils tem o Projeto Burguês de Felicidade; Mário tem o Kubark; Tocha e Lucas tem o The Evil Idols; e o Sandro vai ter um filho no fim do ano.

3 comentários:

  1. Ah! Já era hora!
    Futuca seus arquivos que você vai encontrar mais coisas ;)
    Beijos Allan, ótimo trabalho como sempre!

    ResponderExcluir
  2. Russian School comanda! Te adicionei nos meus links!

    ResponderExcluir
  3. engraçado ler isso depois de tantos anos, né Allan? legal resgatar um tempo, que nem é tão distante, mas que se difere muito de hoje... e o split citado ali com Os Pedrero nuncas saiu...

    só acho que você poderia colocar as perguntas em negrito pra facilitar a leitura Allan, valeu rapá, abrá!
    tibiu

    ResponderExcluir